NAÇÃO ESTRELA BRILHANTE DO RECIFE



 INFLUÊNCIA E FONTE DE INSPIRAÇÃO - ´´ESTRELA BRILHANTE É NAÇÃO DE FÉ, NO BAQUE VIRADO SOU NAÇÃO NAGÔ!``






O Trovão das Minas tem buscado, sempre que possível, vivenciar o Maracatu de Baque Virado na fonte, sendo sua principal influência e inspiração a Nação Estrela Brilhante do Recife. Todos os anos, no período que precede e durante o carnaval, os integrantes do grupo vão ao Recife com a intenção de pesquisar e fortalecer esta manifestação, em busca de referências da tradicional Cultura Popular e de novas tendências musicais. O grupo possuí o máximo respeito e admiração à todas as demais Nações, no entanto a escola do Trovão das Minas é sem sombra de dúvidas a Nação Estrela Brilhante do Recife. O fundador do Grupo, Lenis Rino, buscou seus primeiros conhecimentos acerca do maracatu de baque virado na Nação Estrela, e desde então todos os integrantes mantêm viva essa tradição. O grupo busca trazer batuqueiros da Nação Estrela para ministrarem oficinas em Belo Horizonte, sendo que já passaram por aqui: Pitoco, Pelado, Cal e Ricardo Rocha, além do querido Mestre Walter e Mauricéia, baiana rica da corte real. Cumpre destacar ainda que grande parte das loas do Trovão das Minas exaltam a Nação Estrela Brilhante do Recife, as calungas Dona Joventina e Dona Erundina, o Mestre Cangaruçu, a Rainha Marivalda e o Mestre Walter com sua percussão de ouro, carinhosamente chamada de Trovão Azul!

 A Nação de Maracatu de Baque Virado Estrela Brilhante do Recife foi fundada em 1906 por Cosme Damião Tavares, sendo sua primeira sede em Campo Grande, Pernambuco. Em 1995, o Estrela Brilhante se mudou para o Alto José do Pinho, em Recife, presidido pela também Rainha Marivalda Maria dos Santos, o que se mantém até os dias de hoje. O Maracatu Estrela Brilhante vem conquistando o primeiro lugar em vários carnavais recifenses, a admiração e o respeito por onde passa em Pernambuco, no Brasil e no mundo, com seu batuque contagiante e inigualável, regido por Mestre Walter Luiz de França.

Segue abaixo um texto da antropóloga Clarisse Quintanilha Kubrusly, parte de sua tese de mestrado entitulada: A Experiência Etnográfica de Katarina Real (1927 - 2006): Colecionando Maracatus em Recife

Dona Joventina: “Iansã Gigan”, a protetora da nação Estrela Brilhante
do Alto José do Pinho


“Dona Joventina, eu tenho aquele compromisso com ela do jeito que ela tem comigo, por ser uma madeira. O nome dela não é dona Joventina é dona Jovelina porque eu fui num lugar e teve um médium que recebeu ela e falou sobre a vida dela,entendeu o que era ela e o nome dela não é Joventina, mas Joventina ficou um apelido,(...) faltou só o nome de dona Erundina que ela ainda não deu eu preciso saber mas ela ainda vai me dizer, e são duas bonecas vivas, não são mortas, entendeu, o povo pensa que são mortas mas não são, essas duas calungas que para muitos não significa nada, (...) é um orixá vivo. (...)Então essas duas bonecas que estão aí estão vivas, tem vida igual a eu e você. (...) Katarina dizia que era da Oxum, (se referindo à vestimenta que Katarina colocou na boneca) mas não é, é Iansã.”. (Entrevista com Marivalda dos Santos, Alto José do Pinho, Recife, 31-03-07).   


Marivalda Maria dos Santos sempre morou nas proximidades da comunidade do Alto José
do Pinho. Costureira de mão cheia, até os anos 80 participava do “Gigantes do Samba”, nas passarelas durante os desfiles e na confecção das fantasias. No Gigantes, conheceu Lourenço Lira Molla, artista plástico da escola e responsável pela idealização das vestes e dos carros alegóricos. Molla desde 1986 ajudava o Maracatu Leão Coroado de seu Luís de França, sediado no Córrego do Cotó - Córrego Benedito Tavares de Souza -, nas redondezas do Alto José do Pinho. Nesta época, surge uma viagem para a Alemanha e Molla escolhe o Leão Coroado para representar a cultura pernambucana neste evento. Em face de alguns desentendimentos entre ele e Luís de França, Molla resolve levar o maracatu Elefante, que estava recém “saído do museu”. Alguns anos mais tarde, Molla volta a ajudar o maracatu de Seu Luiz de França. Marivalda e Walter sempre acompanhavam o carnavalesco e convidaram muitas pessoas do Alto José do Pinho para participarem do maracatu Leão Coroado. Concomitante a essa aproximação do samba com o maracatu da região, Molla fundou outra escola de samba, a Internacionais do Ritmo. Desse novo grupo de samba misturado ao maracatu de Seu Luiz participaram pessoas-chave para a organização do atual maracatu Estrela Brilhante do Alto José do Pinho. As escolas de samba e os maracatus mantinham e ainda mantêm uma proximidade bastante grande nesses subúrbios recifenses. Suas sedes são localizadas em comunidades vizinhas tornando possível que pessoas participem de ambas as manifestações durante o carnaval. Além da promiscuidade profunda entre maracatus e escolas de samba, também os maracatus se misturavam entre si. Marivalda e Walter, por exemplo, vieram de uma tradição de escola de samba e por meio desse interlocutor da classe média, Lourenço Molla, passaram pelo Leão Coroado, em seguida pela nova configuração do Elefante, depois voltaram para o Leão Coroado e finalmente, após a briga judicial entre Mola e Seu Luiz, assumiram o maracatu nação Estrela Brilhante.
Após a dissolução do maracatu de Campo Grande, passaram alguns anos sem que o Estrela
Brilhante saísse no carnaval do Recife. No início dos anos 1970, a rainha do Leão Coroado, Maria Madalena, teve um desentendimento com o companheiro Luís de França e afastou-se do grupo. Em busca de um outro maracatu, aliou-se a Cabeleira, que exercia um papel semelhante ao de Molla: alguém com canais junto a autoridades municipais e junto à Federação Carnavalesca, capaz de conseguir subvenções e contatos para apresentações. Juntos, resolveram reconstruir o Estrela Brilhante. Segundo Marivalda, “eles não sabiam cuidar do maracatu”, eles não tinham o conhecimento necessário acerca do “mestre Cangarussu” e das práticas do “estado” de seu Cocó. Também não é certo se detinham alguma calunga. Marivalda argumenta que devido a essa falta de conhecimento na época de Cabeleira, foi acumulada uma série de demandas que fizeram o maracatu Estrela, nas mãos de Cabeleira e Maria Madalena, decair a ponto de quase parar no início de 1990.
Molla convenceu Cabeleira a vender os objetos e o nome da nação Estrela Brilhante para
que ele e um grupo de dissidentes do Leão Coroado, que incluía Walter e Marivalda, e um
conjunto com jovens percussionistas de outras regiões da cidade, pudessem reformular o Estrela Brilhante. Segundo Marivalda e de acordo com o argumento das Barbosa, Molla não deveria estar à frente de um maracatu, pois ele não era devidamente ligado à religião do Xangô e nem a nenhum tipo de estado ou catimbó que soubesse fazer os trabalhos, acumulando ainda mais demandas sobre o maracatu que pretendia reorganizar. Durante os primeiros anos em que o Estrela Brilhante esteve na casa de Molla, ele manteve uma briga judicial contra o renomado babalorixá e mestre do Leão Coroado. (BARBOSA, 2001.) Em 1995, Luiz de França com o apoio massivo de intelectuais, inclusive o de Katarina Real, ganha a briga na justiça e Lourenço Molla recebe um mandado de prisão.
Em meio às brigas que chegaram à Justiça oficial, envolvendo pessoas, escolas de
samba e maracatus, o novo dono do Estrela Brilhante não poderia mais ficar à frente do
maracatu que se preparava para sair no carnaval de 1995. Até então, Lourenço Molla era uma
espécie de presidente-administrativo, pois quem organizava e dirigia a “corte do maracatu” e o “batuque” ou “orquestra de bombos” eram respectivamente Marivalda e Walter. Nesse contexto de conflitos jurídicos, a sede do maracatu foi transferida para a casa de Marivalda no Alto José do Pinho que passa a assumir, em parceria com seu pai de santo Jeorge de Ogunté, as obrigações religiosas para colocar novamente o maracatu Estrela Brilhante na rua.
Há nove anos que Marivalda freqüentava um centro (o Ilê Omyn Ogunté), do babalorixá
Jorge José Ribeiro (Jorge de Ogunté ). Contudo não tinha nenhum tipo de obrigação no centro, não era filha da casa, não tinha realizado sua feitura. Quando se viu com o maracatu em sua casa, tratou de “fazer o santo” para que pudesse cultuar devidamente as entidades espirituais e para ser coroada, tornando-se a “legítima” rainha do maracatu Estrela Brilhante.
Uma das condições consideradas pré-requisito é que a rainha de um maracatu, para ser
coroada, deve ser uma mulher negra, com vínculos profundos com alguma religião afropernambucana, seja esta o “nagô” associada aos terreiros chamados de Xangôs ou às práticas de catimbó também chamados de jurema. Não pretendo adentrar por questões religiosas a que não tive acesso e que também não é o objeto dessa pesquisa. Resumindo, pretendo refletir sobre o entrelaçamento do centro - com o qual Marivalda mantinha um contato e com o qual, posteriormente, estreitou suas relações espirituais pessoais - com algumas práticas e disputas que estão em jogo entre os maracatus-nação e que envolvem a boneca Joventina. “eu disse meu deus, eu não tenho condições de tá com esse maracatu (...) aí de lá pra cá Deus e os Orixás, na época eu não tinha dinheiro para dar obrigação o maracatu saía com pequenas coisas, aí que eu cuidava , aí que fui cuidar de fazer meu santo, cuidar me organizar e entrar nos preceitos de santo mesmo sério, com compromisso de fazer e viver para o santo mesmo para o orixá, ter aqueles cuidados aquele gosto aquele amor,
pronto pra poder chegar onde eu to agora.”(Entrevista: SANTOS, Marivalda dos. 2007).
Não tive uma grande inserção nas práticas religiosas do grupo, estou me retendo aqui a
pontuar alguns aspectos que julguei necessários para compreender em que condições Joventina passa a ser cultuada no maracatu do Alto José do Pinho. A partir do que Marivalda me contou e da monografia de Virgínia Barbosa, pretendo realizar uma discussão colocando algumas questões referentes ao trabalho realizado por elas e por Jorge de Ogumté com as calungas da nação. Marivalda mandou fazer suas duas calungas com um santeiro de Campo Grande, que era conhecido de Molla e se lembrava da antiga nação Estrela de seu Cosme e da boneca Joventina levada para os EUA. Assim, o santeiro esculpiu duas bonecas em madeira escura (ébano), Joventina e Erundina.
Marivalda me explicou que o “culto nagô”, no centro, tem passado por “cortes”. Esses
cortes podem ser compreendidos como uma justaposição dessas práticas com práticas de outras linhas de “divindades, mestres e caboclos”. Normalmente se diz que estas casas que realizam práticas associadas ao culto nagô em conjunto com práticas ligadas ao catimbó são chamadas de casas de nagô traçado. Segundo Marivalda “eles é que traçam, vão fazendo e vê que dá certo”. Tais práticas distintas são realizadas na mesma casa, mas nunca ao mesmo tempo. Por exemplo, no terreiro de Jorge de Ogunté, ocorrem rituais considerados de nagô e outros ligados a “mestres ecaboclos”, que são realizados separadamente. Não é exatamente uma mistura de rituais, mas a prática de rituais ligados a linhas de religiosidades distintas que são executadas em diferentes momentos no mesmo espaço físico (o centro). Antes de o maracatu sair às ruas, além dos diversos preparativos rituais no centro, Marivalda realiza a “obrigação dos caboclos” na sua casa que também é a sede do maracatu.
Jorge de Ogunté é o sacerdote que iniciou Marivalda. Ele define que o “maracatu
embora seja uma coisa de carnaval, é uma cerimônia que tem a ver com o orixá. “Porque são
reisados, são reis e rainhas africanas do panteão africano”. Esse panteão africano seria um “local mítico”, expresso em narrativas e práticas do “povo de santo”. Para ele, Joventina e Erundina são “eguns”, foram princesas africanas, antigas yalorixás, que são alimentadas anualmente no “ritual de balé”, em companhia dos “antepassados”. Joventina e Erundina também tomam parte nas oferendas para os “orixás” da casa. Assim, são duplamente evocadas, tanto como “orixás”, já que diz que as bonecas têm assentamento, quanto no balé para os eguns (BARBOSA, 2001).
Marivalda, no entanto, afirmou enfaticamente que Joventina “é um Orixá”. “...mas é um orixá vivo dá recado recebe recado, as coisas tem de ser feitas como ela quer e gosta, para tudo caminhar bem. Quando eu to com muito problema eu recorro a ela, que ela resolva da maneira dela como ela quiser e como ela puder, para eu poder tombar né com a multidão (...) tomba o povo, fofoca de um e fofoca de outro, pra ter aquele impulso. (...) então eu tenho aquelas duas calungas, pra muitos aquilo é nada, um pedaço de pau, bota no chão, mas não é não...” (Entrevista: SANTOS, Marivalda dos. 2007).
Ao contrário de Katarina que disse que Joventina “não é um Orixá” e sim um dos “mestres
do estado”, Marivalda afirma que suas duas calungas são “orixás vivos”. Por mais que o nome do “mestre Cangarussu” apareça no culto aos “eguns” em companhia dos nomes de Assunção e Cosme, além de nomes de falecidos do Alto José do Pinho e de outros maracatus, não se pode esquecer o de Joventina, evocada como uma falecida princesa africana, “filha de Iansã Gigan”; as bonecas também são cultuadas em outros trabalhos como representantes de “orixás”. Iansã Gigan (Dona Joventina) e Oxum Panda (Dona Erundina) são orixás que protegem o maracatu Estrela Brilhante de Marivalda. As deusas africanas também são representadas pelas calungas, que podem ser compreendidas duplamente ora como orixá ora como egum, mas isso não aparece como uma contradição ou como uma questão propriamente dita nem para Jorge nem para Marivalda. A contradição aparece nas acusações dirigidas a eles que afirmam que seguindo a lógica desses “cultos afro-recifenses” existe um entrave, pois os rituais dirigidos aos eguns e aos orixás são distintos e claramente delimitados. Mas quando se trata de Joventina, algo parece se confundir e se sobrepor. Assim as várias entidades ligadas à boneca (egum: mestre Cangarusse e
falecida princesa africana “filha de Iansã”; Orixá: Iansã Gigan) são evocadas nos seus devidos
momentos. Quando Katarina veio devolver Joventina, foi à casa de Marivalda conhecer o novo Estrela Brilhante de Recife e convidá-la para a cerimônia de entrega da boneca ao MHN.
“...ela veio aqui perguntar sobre o Estrela Brilhante, eu disse que o Estrela Brilhante já estava aqui comigo. Que já tava no meus poderes que eu era Marivalda e, ela perguntou para mim como é que eu vim parar no Estrela. Aí eu contei para ela que Cabeleira aí Madalena que ela não sabia mais também 20 anos no Estados Unidos. Ela não tava vindo aqui, ai eu falei para ela todos os procedimentos do Estrela Brilhante, que o Estrela Brilhante tinha parado aqui no Alto José do Pinho e estava no meu poder. Ela disse, não porque eu trouxe a Joventina. Ai eu disse para ela é mais o maracatu não acabousse, o maracatu não acabousse, ela (Assunção) disse que não podia botar na rua mais depois botou o maracatu na frente sem a boneca aí eu mandei fazer outra.” (Entrevista: SANTOS, Marivalda dos. 2007). Marivalda duvida que Katarina realmente pudesse falar com Joventina, diz que para isso, ela teria de freqüentar um terreiro, pois apenas um “espírito” poderia trazer o seu recado. Não pediu de volta a calunga que nunca possuiu; para ela a boneca que voltou do exílio para o museu, teria perdido os “axés” que foram transferidos para sua atual calunga Joventina, uma “verdadeira boneca viva”. Para Marivalda, a Joventina perde os “axés” ao ser colocada no museu, pois deixa de ser “alimentada” e então “morre a força”. Argumenta que os “axés” da antiga boneca de Cosme
teriam sido transferidos para a sua boneca, que é anualmente preparada para sair no carnaval. Afirma que o “axé” está no Estrela Brilhante, na prática cotidiana de “cumprir as obrigações com amor e dedicação”. Entre outros motivos, como a sua “feitura” que ainda não estava terminada e a “fofoca” de que ela e seu maracatu teriam roubado o nome do Estrela Brilhante de Olga, Marivalda não reivindicou publicamente e nem tampouco para Katarina a posse da antiga Joventina.
“Porque não tem uma confusão, de Igarassu, uma história de Igarassu que eu não sei contar. Quando eu fiz a viagem, surgiu um comentário que quem era para ter ido era o Estrela Brilhante de Igarassu, entendeu, mas não foi não porque quem fez o convite foi um amigo meu Tiago que é da Alemanha que mora lá ele é paulistano mas eu conheci ele aqui. Trabalha no museu de Berlim então quando foi ter o tal festival de Hannover (...) ele já veio com meu nome. Aí quando eu voltei, teve uma fofoca que agente tinha roubado o nome, eu não roubei o nome, porque eu peguei o maracatu agora e se o maracatu tem cem anos, eu não posso ter roubado como que eu posso ter roubado o nome? entendeu né? porque lá em Igarassu, acham que agente roubou o nome do maracatu de lá e fizemos um aqui, mas eu não; não foi eu que fiz o maracatu, eu já encontrei o maracatu pronto. Não tenho nada a ver com isso”. (Entrevista:
SANTOS, Marivalda dos. 2007).


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